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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

CINZAS DE UMA HISTÓRIA, UM RETRATO SOBRE O BRASIL DE HOJE

Dia 2 de setembro de 1822, dia que Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I, considerada a principal articuladora da independência do Brasil,convocou uma sessão extraordinária do Conselho de Estado e decidiu a separação definitiva entre Brasil e Portugal. Nesse mesmo dia em 2018, a casa dela, a história da família real e a nossa história como nação brasileira pegam fogo. O Palácio Imperial – ou Palácio de São Cristóvão, conhecido como Museu Nacional – com um dos maiores acervos culturais do mundo, como uma homenagem a tudo aquilo que representou o último imperador D. Pedro II, um notável erudito e investidor da alta cultura e da ciência, vira cinzas como reflexo de nossa cultura e política atuais.

Poucos devem saber e compreender a importância da família real e de D. Pedro II para nós e o mundo, menos ainda, o que demos em troca a eles.

Voltando para dois séculos atrás, temos um país colônia, sem autonomia política, mas com advento da expansão napoleônica e aliança de longa data dos portugueses com Reino Unido sendo mantida – inimigos comerciais de Napoleão –, a família real precisou transferir sua monarquia de Lisboa para Rio de Janeiro quando soube que essa aliança faria Portugal ser invadido pelos franceses. A partir deste evento a história do Brasil não seria mais a mesma.

Com a chegada da família real no Brasil, em 1807, foram criadas a Academia da Marinha, a Academia Militar, o Jardim Botânico; D. João abriu a Imprensa Régia – de onde surgiu a Gazeta do Rio de Janeiro; a Real Biblioteca de Portugal foi transferida integralmente de Lisboa para Rio de Janeiro, em 1810, com um acervo inicial de 60 mil volumes, sendo a base para atual Biblioteca Nacional; em 1813, foi fundado o Real Teatro São João, o que é atualmente o Teatro João Caetano. Além disso, o comércio e todos os mais variados setores passariam por uma mudança drasticamente positiva.

Com o fim das guerras napoleônicas a família real poderia ter voltado a Portugal, mas continuou e com o apoio comercial dos ingleses colaborou que Portugal perdesse monopólio sobre o Brasil.

Devido a um Revolução Liberal do Porto, o D. João VI precisou retornar a Portugal, e, com isso, ocorre no dia 7 de setembro de 1822 a independência do Brasil com D. Pedro I, o imperador. O deputado provincial Joaquim Gonçalves Ledo conhecido pela sua reivindicação de uma constituição de governo liberal e contra os interesses das dinastias portuguesas, publicou um artigo sobre o Brasil ser um Império:

Mas o Brasil seria Reino ou Império? E em que repousaria a autoridade do monarca? Apenas no consentimento da nação ou também em direitos preexistentes como príncipe herdeiro do antigo Reino de Portugal e Algarves? Mais de forma do que de fundo, era o primeiro problema, e não houve ao cabo maiores divergências a respeito. D. Pedro seria imperador, e não rei; o Brasil seria Império, e não Reino. Dom João 6º, ao chegar por aqui, já aludira ao Império que viera fundar. O conceito de Império, por vários motivos, entre os quais avultava a extensão territorial, melhor se ajustava ao novo país. Do Amazonas ao Prata, não retumba outro eco que não seja o da Independência.

Dando um salto na história temos a figura de D. Pedro II, que, em 1870, fora um dos poucos assumir repúdio a escravidão, dizendo ser “uma vergonha nacional”[1], sem nunca ter possuído escravos[2]. Reconhecendo que a abolição da escravidão atingiria a todas as camadas da sociedade, dos ricos aos mais pobres, pretendeu fazer a mudança gradativamente[3]para não quebrar a economia da nação, por esse ato perdeu popularidade e respeito político. Apesar do que muitos imaginam, o imperador não tinha direito constitucional para intervir e abolir sozinho a escravidão[4], precisando de apoio político para tal, sendo que seus opositores frequentemente diziam que “a abolição era seu desejo pessoal e não o desejo da nação”[5]. Após um tempo conseguiu ser decretada a lei “Lei do Ventre Livre” em 28 de setembro de 1871, sob a qual todas crianças nascidas de mulheres escravas posterior àquela data eram consideradas livres.

Nosso último imperador também era um amante das letras, dominando várias línguas como latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, grego, árabe, hebraico, sânscrito, chinês, provençal, tupi, além da própria língua.Erudito que foi, dominava praticamente todas as áreas do saber, tornando-se membro daRoyal Society, Academia de Ciências da Rússia,das Reais Academias de Ciências e Artes da Bélgicae da Sociedade Geográfica Americana. Em 1875 foi eleito membro da AcadémiedesSciences francesa, uma honra dada anteriormente a somente dois outros chefes de estado: Pedro, o Grande e Napoleão Bonaparte[6]. Foi um dos maiores responsáveis pelo reconhecimento da tecnologia do telefone, criação de Graham Bell, financiando o projeto e trazendo para o Brasil como o segundo país do mundo a ter telefone[7]. O histórico das benfeitorias de D. Pedro II e de seu reconhecimento no mundo é vasto, mas era importante pincelar algumas coisas que ele fez.

Apesar disso tudo, a família real, que trouxe honra, cultura e autonomia para este país, sofre do único e verdadeiro golpe na história de nosso país independente, o golpe republicano que teve apoio dos ex-donos de escravos e de positivistas de baixa e média patente do exército[8], tendo que fugir do Brasil em exílio.

No Brasil República, seus bens foram tomados, sua história foi destruída,inventaram mentiras sobre para enobrecer a tomada política dos republicanos e acreditarmos que avançamos de um período negro do nosso passado. Ainda hoje, os herdeiros da família real brigam pelos direitos de posse do Palácio Guanabara, desde 1895, sendo o processo mais antigo em andamento no Brasil[9].

Hoje, dia 3, tivemos várias declarações de ódio na internet de estudantes a profissionais de diversas áreas demonstrando alegria e satisfação pelas cinzas do Museu Nacional, pois era satisfatório ver toda uma história de uma família opressora e escravagista, responsável pela nossa pobreza intelectual, social e econômica, ser destruída com devastador incêndio. E, aqui, vemos o quanto o Republicanismo deu certo: conseguiram alienar o povo de tal forma que não percebem a injustiça em seus julgamentos sobre o que a família real representou para nós.

A nossa perda é irreparável. Nosso descaso com política e cultura permitiu que a propriedade da família real chegasse onde chegou, não somente, mas perdemos também uma vasta parcela de materiais históricos do mundo todo, de relíquias a fósseis, nada disso poderá ser recuperado, nada refeito.

Temos políticos se promovendo no meio desse desastre, alguns culpam a PEC do Teto dos Gastos Públicos, outros culpam Temer, mas esse descaso com a nossa história já vinha desde o surgimento do Republicanismo, com os governos democráticos – aqueles após o regime militar –, apenas vieram para intensificar esse desrespeito com o que tivemos de melhor. O nosso atual reitor da UFRJ, Roberto Leher, é o diretor do Museu Nacional, um dos fundadores do partido PSOL, em sua gestão é o terceiro caso de incêndio em seu histórico[10], que apoia MST, além de MPF/RJ ter movido ação contra ele por improbidade administrativa[11].

O Museu Nacional precisava de R$ 600 mil para sua manutenção, mas sofreu durante anos uma enorme redução orçamentária gradativa que levou ao fim dele mesmo, mas por que isso, faltava dinheiro nos cofres públicos para arte? Não é necessário pesquisar muito para saber que, muito pelo contrário, os últimos governos investiram pesado em cultura, irei colocar aqui alguns dos gastos orçamentários que nossos impostos foram destinados:

Peça Macaquinhos – pessoas peladas que ficam enfiando dedo nos ânus alheios[12]; lançamento do DVD do MC Guimê pela Lei Rouanet (R$ 516 mil)[13]; Show da Claudia Leitte (mais de um milhão)[14]; Queermuseu – exposição de obras que apresentam profanação, erotismo, transexualidade, pedofilia e zoofilia (R$ 800 mil)[15]; Museu do Lula (R$ 18 milhões)[16]; sem falar das Universidades Públicas estarem sempre de portas abertas para diversas oficinas e apresentações questionáveis como, por exemplo, asOficinas da Siririca[17][18][19], pegação na UEM, “Xereca Satânik”, “Besuntado em dendê” e “Focinheira Humana”[20].

Como vemos aqui, não é falta de dinheiro. Existe uma mobilização pela promoção da baixa cultura, do imoral, da subversão de valores e ideias, da transgressão do que é bom, belo e verdadeiro, do relativismo e enaltecimento do que é feio e ruim. Quando os modernistas descobriram que não eram capazes de fazer algo bom como as obras canônicas, foi mais fácil lutar para que o ruim fosse tão bom quanto, aí temos o retrato de nossa cultura. Nossas pessoas comuns e intelectuais não sabem diferenciar a proporcional diferença de qualidade entre um funk e uma música clássica, entre uma escultura de Davi e uma escultura gigante de nádegas indicada a uma prestigiada premiação[21].

Chegamos numa etapa em que iremos olhar para trás e não encontraremos nada, não saberemos mais do que nos orgulhar, não temos mais boas referências e o cidadão brasileiro cada vez mais se torna um ser bestializado.Apenas nos restaram cinzas, fomos um fogo desbravador que consumiu tudo.

Deixo aqui uma citação do filósofo inglês, Roger Scruton, para encerrar:

Por que a beleza importa? Em qualquer tempo, entre 1750 e 1930, se se pedisse a qualquer pessoa educada para descrever o objetivo da poesia, da arte e da música, eles teriam respondido: a beleza. E se você perguntasse o motivo disto, aprenderia que a beleza é um valor tão importante quanto a verdade e a bondade.
Então, no século XX, a beleza deixou de ser importante. A arte, gradativamente, se focou em perturbar e quebrar tabus morais. Não era beleza, mas originalidade, atingida por quaisquer meios e a qualquer custo moral, que ganhava os prêmios.
Não somente a arte fez um culto à feiúra, como a arquitetura se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso entorno físico que se tornou feio: nossa linguagem, música e maneiras, estão ficando cada vez mais rudes, auto centradas e ofensivas, como se a beleza e o bom gosto não tivessem lugar em nossas vidas.
Uma palavra é escrita em letras garrafais em todas estas coisas feias, e a palavra é: EGOÍSMO. "Meus lucros", "meus desejos", "meus prazeres". E a arte não tem o que dizer em resposta, apenas: "sim, faça isso"!
Penso que estamos perdendo a beleza e existe o perigo de que, com isso, percamos o sentido da vida.

por André Bruno.





[1]OLIVIERI, Antonio Carlos.Dom Pedro II, Imperador do Brasil. São Paulo: Callis, 1999,p. 44.


[2]BARMAN, Roderick J. CitizenEmperor: Pedro II andtheMakingofBrazil, 1825–1891. Stanford: Stanford University Press, 1999,p. 194.


[3]LYRA, Heitor. História de Dom Pedro II (1825–1891): Fastígio (1870–1880). Belo Horizonte: Itatiai,p. 161.


[4]BARMAN, Roderick J.CitizenEmperor: Pedro II andtheMakingofBrazil, 1825–1891. Stanford: Stanford University Press,1999, p. 224-225.


[5]CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.136.


[6]CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 172.


[7]Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/como-d-pedro-ii-salvou-o-telefone.phtml. Acesso em: 03 set. 2018.


[8]CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 195.


[9]Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/justica/processo-mais-antigo-em-andamento-no-brasil-e-da-familia-real-em-briga-por-palacio-35qwhd0p2b1oirnymauc0i4ac/. Acesso em: 03 set. 2018.


[10]Disponível em: https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/09/03/incendio-em-museu-da-ufrj-e-o-terceiro-em-gestao-de-fundador-do-psol/. Acesso em: 03 set. 2018.


[11]Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/ministerio-publico-pede-punicao-de-reitor-da-ufrj-por-atos-politicos/. Acesso em: 03 set. 2018.


[12]Disponível em: https://odia.ig.com.br/_conteudo/diversao/2015-11-23/grupo-de-teatro-faz-exploracao-anal-em-performance-e-gera-polemica.html. Acesso em: 03 set. 2018.


[13]Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cultura-lazer/mc-guime-gravacao-dvd-lei-rouanet/. Acesso em: 03 set. 2018.


[14]Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/02/1854858-claudia-leitte-nao-devolve-r-12-mi-da-rounet-processo-sera-levado-ao-tcu.shtml. Acesso em: 03 set. 2018.


[15]Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/seis-coisas-sobre-a-exposicao-no-santander-cultural-bkp74k2jfna9wcwq3ujl8yt40/. Acesso em: 03 set. 2018.


[16]Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/museu-que-contara-inicio-da-trajetoria-de-lula-custara-r-18-milhoes-2lcg2oja13i7nyuew8b5uqyj2/. Acesso em: 03 set. 2018.


[17]Disponível em: http://www.escolasempartido.org/midia-categoria/508-oficina-de-siririca-na-universidade-federal-de-ouro-preto. Acesso em: 03 set. 2018.


[18]Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/no-amapa-dinheiro-publico-financia-oficina-de-siririca-e-chuca/. Acesso em: 03 set. 2018.


[19]Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/08/09/com-oficina-de-masturbacao-feminina-e-gaymada-evento-na-faculdade-de-medicina-da-usp-causa-polemica.ghtml. Acesso em: 03 set. 2018.


[20]Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/seis-cenas-peculiares-que-aconteceram-em-universidades-publicas-brasileiras-br4csifdjnqafjhjeacu1dmjt/. Acesso em: 03 set. 2018.


[21]Disponível em: https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2016/10/09/idade-do-bumbum-a-obsessao-da-musica-e-das-artes-plasticas-com-nadegas.htm. Acesso em: 03 set. 2018.

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