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terça-feira, 10 de outubro de 2017

CASO MAM - CRIME DE ESTUPRO DE MENORES?

Em entrevista exclusiva ao Jorna Livre, o advogado curitibano Pierre Lourenço esclareceu as dúvidas que estão sendo colocadas pela população acerca do casoMAM, que teve na abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira a participação de uma criança na performance“La Betê”. As imagens da apresentação foram divulgadas na quinta-feira e causaram revolta na população que se mobilizou imediatamente. Na sexta-feira, houve protesto na frente do MAM, denúncias no Ministério Público de São Paulo e até mesmo a criação de um abaixo-assinado que pede o fechamento do museu. Diante de um caso tão complexo, procuramos um especialista que pudesse sanar as dúvidas mais recorrentes de nossos leitores.
Pierre é pós-graduado na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro e atualmente cursa doutorado na Universidad de Buenos Aires – UBAMembro da Comissão da Igualdade Racial e da Comissão de Direito do Consumidor da OAB – PR, em seu escritório de advocacia atende diversas áreas jurídicas. Também foi ele o autor da denúncia apresentada na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná requerendo a abertura da CPI para a averiguação de responsabilidade dos sindicatos de professores pela captação de menores e incitação a prática de crimes. 
Antes da entrevista, veja o vídeo que causou a polêmica:
JL: Logo após as imagens começarem a circular pela internet grande parte da população brasileira se indignou alegando que houve crime. Quais foram suas impressões ao assistir o vídeo da performance La Betê? Houve crime?
Sim. A exposição de crianças a conteúdos adultos é vedado por lei, configurando infração de natureza administrativa e penal.
Ressalta-se que um dos objetivos do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) é possibilitar o crescimento saudável da criança e adolescente fazendo isto por meio da fixação de faixa etária para a exposição de conteúdos artísticos.
Art. 74. O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada. 
Parágrafo único. Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada no certificado de classificação.
Essa determinação é impositiva a todos, tanto ao expositor, quanto ao responsável legal do menor de idade que permitir o acesso do jovem ao conteúdo impróprio para sua idade. Eventual pai que exponha seu filho a cenas ofensivas como a do evento em questão pode inclusive responder a processo de destituição do poder familiar e vir a perder a sua qualidade de pai por ter praticado atos contrários a moral e bons costumes, conforme art. 1.638, III, do Código Civil.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
Já o ECA determina a proibição da venda de produtos impróprios a crianças e adolescentes descrevendo como um dos produtos impróprios as revistas pornográficas (art. 81, V e art. 78, parágrafo único, do ECA). Desta sorte, se a lei não admite que menores de idade tenham acesso a este conteúdo pornográfico na modalidade impressa, muito menos se admitirá a exposição real, de um homem nu, para um público infanto-juvenil.
Art. 81 – É Proibida a venda à criança ou ao adolescente de:
I – armas, munições e explosivos;
II – bebidas alcoólicas;
III – produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida;
IV – fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu reduzido potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização indevida;
V – revistas e publicações a que alude o art. 78;
Art. 78 – As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo Único – As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
Inobstante a isso, o caso do MAM possui a ocorrência simultânea de vários tipos penais discriminados no Estatuto da Criança e Adolescente, tais como o crime de constrangimento ilegal do art. 232, ao passo que a criança esteve exposta a uma cena de cunho pornográfico, sendo autores deste crime tanto o artista (homem nu), quanto os responsáveis pela exposição do evento (MAM e Curador) e a responsável da criança que a acompanhava no ato (mãe).
Art. 232 – Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento:
Pena – detenção de seis meses a dois anos.
Podemos, ainda, vislumbrar a prática do crime do art. 240 do ECA que trata da produção artística de cunho pornográfico com a participação de criança ou adolescente.
Diz este artigo que aquele que produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica terá pena fixada de um a quatro anos de reclusão, mais a fixação de multa.
É importante observar que o parágrafo único deste artigo possibilita a responsabilização não só dos produtores do evento, mas também do artista (homem nu) como também da mãe da criança, já que participava ativamente da cena teatral.
Art. 240 – Produzir ou dirigir representação teatral, televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica:
Pena – reclusão de um a quatro anos, e multa.
Parágrafo Único – Incorre na mesma pena quem, nas condições referidas neste artigo, contracena com criança ou adolescente.
Temos também o tipo penal previsto no artigo 241 do ECA que diz ser crime fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, sujeitando aos infratores a pena de reclusão de um a quatro anos.
Veja que os tipos penais acima transcritos independem da natureza sexual do evento, bastando para a configuração desses crimes a ocorrência de cena pornográfica, que se configura por meio da exposição de pessoa despida, com a participação de criança ou adolescente.
Por fim, numa análise mais rígida podemos vislumbrar a prática do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, do Código Penal), uma vez que a criança era obrigada pela mãe e demais participantes do evento a tocar no homem nu.
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
  • 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Atualmente o estupro não se configura apenas com o coito carnal, mas também pela prática dos demais atos libidinosos impostos contra a vítima. Podemos citar como exemplo recente o caso do ‘masturbador de ônibus’, em que o acusado se masturbava dentro do ônibus vindo a ejacular nas mulheres. Neste caso, o Delegado Rogério de Camargo Nader, da 78ª DP, tipificou o fato como crime de estupro, mesmo não havendo a prática de agressão física.
Então, se pensarmos que no caso do MAM estava envolvendo um homem completamente despido e a instigação por parte de várias pessoas para que uma criança, completamente ingênua e indefesa, viesse a tocar no homem nu para satisfazer a lasciva ou a tara sexual dos participantes do evento, podemos sim cogitar o crime de estupro.   
JL: Um dos argumentos mais utilizados para a defesa destes conteúdos é que se trata de uma expressão artística, portanto não teria nenhuma conduta criminosa uma vez que não haveria intenções sexuais nestas apresentações. Até que ponto a arte está livre de responsabilidades jurídicas? É válido este argumento de que não haveria intenções sexuais apenas por ser uma performance?
Resume-se a resposta desta indagação com a velha máxima do direito – ‘o direito de um termina quando começa o direito do outro’.
O direito a liberdade de expressão terminou neste caso quando violaram o direito a integridade psíquica das crianças que se viram obrigadas a participarem de um evento completamente inapropriado para sua tenra idade, o que poderá ocasionar sequelas psicológicas pelo resto da vida daquelas crianças.
De todos os direitos estabelecidos na legislação brasileira, os direitos que envolvem a criança e adolescente sempre terão prioridade. Esta prioridade está estabelecida no art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) que diz:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda  forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).
Além disso, o artigo 34 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto de no 99.710, de 21 de novembro de 1990, determina que as nações participantes se comprometam a impedir a exploração da criança por meio de espetáculos ou materiais pornográficos.
Artigo 34
Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:
  1. a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal;
  2. b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais;
  3. c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos.
Acredito que todo trabalho que envolve a exposição do corpo nu tem inserido dentro de si a necessidade da satisfação de uma lasciva, tara ou desejo de cunho sexual que se exterioriza pela simples exposição do corpo despido a terceiros.
O mero fato de alegarem não possuir o evento cunho de natureza sexual não impede a responsabilização de seus idealizadores, uma vez que a lei é clara ao proteger os interesses de crianças e adolescentes da exposição de eventos de natureza pornográfica. Portanto, todos podem ser responsabilizado civil, penal e administrativamente.
JL: Quais são as responsabilidades jurídicas que recaem sobre o Museu, sobre o curador do evento e sobre os patrocinadores? 
A responsabilidade do Museu e Curador que promoveram o evento são bastante semelhantes, pois participaram em conjunto da execução dos ilícitos, distinguindo-se apenas a responsabilidade administrativa e penal dos patrocinadores, pois para serem penalizados deverá ser demonstrado que tinham ciência do formato ilícito do evento.
Além dos tipos penais já mencionados acima, os idealizadores do evento poderão responder pelas infrações de natureza administrativa previstas nos artigos 257, 78 e 258 do ECA que preveem a penalidade de pagamento de multa até o fechamento do estabelecimento.
Art. 257 – Descumprir obrigação constante dos arts. 78 e 79 desta Lei:
Pena – multa de três a vinte salários de referência, duplicando-se a pena em caso de reincidência, sem prejuízo de apreensão da revista ou publicação.
Art. 78 – As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo Único – As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
Art. 258 – Deixar o responsável pelo estabelecimento ou o empresário de observar o que dispõe esta lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sobre sua participação no espetáculo.
Pena – muita de três a vinte salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias.
JL: As pessoas que estavam no evento e presenciaram a cena sem interceder possuem responsabilidade?
A configuração da responsabilidade por omissão dos telespectadores é mais complexa neste caso, uma vez que o artigo 135 do Código Penal que trata do crime omissão de socorro revela que esse crime se configurará quando se deixa de prestar assistência a criança abandonada.
Como a mãe estava presente e apoiava aquela encenação, não se tratando de criança abandonada, dificilmente este crime seria acatado em algum Tribunal. Todavia, se imaginar a mãe como autora de um dos crimes como sustentado anteriormente, a omissão de socorro poderia ser ventilada com mais propriedade.
Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: 
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa
JL: O debate acerca da pedofilia está sendo cada vez mais constante e existe um esforço visível de setores que seguem ideologias de esquerda para que esta conduta passe a ser tratada como uma patologia. Dentro da área jurídica, como o tema está sendo debatido? Há quem defenda o posicionamento de que o pedófilo deve ser tratado e não punido? 
Este tema é bastante sensível por envolver questões ético-morais estabelecidos há milênios e que hoje encontram vasta legislação protegendo a integridade sexual das crianças e adolescentes. Contudo, de fato existem teses defensivas que propõem o tratamento do pedófilo, mas, felizmente, os Tribunais não estão acolhendo esta tese, desconhecendo eu a existência de decisão que tenha substituído a pena cárcere pelo tratamento terapêutico do pedófilo.
No entanto, de fato está nítida a intenção subversiva por de traz destas tentativas de erotização/sexualização de menores de idade. Acredito que o objetivo seria a descriminalização do crime de pedofilia, permitindo-se a partir daí o sexo de adultos com crianças.
Veja que os grandes defensores deste tipo de exposição pornográfica envolvendo crianças são os partidos de esquerda; que esses mesmos partidos de esquerda defendem o estado penal mínimo e a descriminalização de vários tipos penais, isto é, abolir da lei fato que hoje é considerado crime; que os partidos de esquerda é quem pregam todo o tipo de libertinagem e são contra a moral e bons costumes. Todas essas constatações nos fazem presumir que a intenção dos movimentos de esquerda é de no futuro próximo pretenderem o fim do crime de pedofilia e liberarem o sexo entre adulto e crianças.  
JL: A pouco tempo houve o caso da exposição Queermuseu do Santander Cultural, que foi boicotada pela sociedade civil justamente por algumas obras que retratavam a pedofilia serem direcionadas ao público escolar. Agora aconteceu este caso do MAM, e ambos com dinheiro público. O Estado não deveria começar a ser responsabilizado? A sociedade brasileira poderia mover alguma ação por danos morais? 
Muito embora os eventos sejam promovidos pela iniciativa privada, realmente existe a possibilidade de responsabilização do Estado quando verificado a prática de ato ilícito durante a exposição e o mesmo se omite.
De igual modo, é possível a responsabilização do Estado se comprovado que forneceu patrocínio público em desacordo com as regras estabelecidas pela Lei Rouanet (Lei 8.313/91).
Nestes dois episódios (Queermuseu – RS e La Betê – SP) a responsabilidade por omissão do Estado é mais difícil de ser demonstrada, tendo em vista que após as ilegalidades dos eventos se tornarem de conhecimento público, os próprios organizadores suspenderam as exposições que atacavam a integridade das crianças, aparentando com isso não ter tido omissão estatal.
Mas nada impede que o cidadão comum apresente queixa-crime na delegacia ou no Ministério Público de fato que eventualmente possa ser considerado como crime, a fim de que se apure a responsabilidade penal, bem como pode propor, por meio de advogado, Ação Popular objetivando anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe.
Art. 5º, LXXIII, da CRFB – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Finalizo afirmando que a questão é polêmica e poderá ter soluções diversas adotadas por nossas autoridades, no entanto, nada descaracteriza a afirmação de que foram violados direitos básicos das crianças expostas ao evento que implicitamente objetivava a erotização de menores de idade para satisfazer a lasciva de homens e mulheres.

Jornal Livre


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