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segunda-feira, 27 de março de 2017

VENDA DE BEBIDAS DENTRO DOS ESTÁDIOS.

Segue abaixo parecer apresentado a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná pela Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR da qual se posicionou contra a edição de lei que venha permitir a venda e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios e arenas esportivas.


COMISSÃO DE DIREITO DO CONSUMIDOR DA OAB-PR

PARECER SOBRE PROJETO DE LEI 50/2017 DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANÁ QUE DISPÕE SOBRE A VENDA E CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS DENTRO DOS ESTÁDIOS.

Trata-se de projeto de lei de autoria dos Deputados da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná Luiz Cláudio Romanelli, Alexandri Curi, Stephanes Junior, Ademir Bier, Pedro Amaral, Fernando Scanavaca, Márcio Nunes, Nelson Justus e Anibelli Neto, que pretendem a liberação de venda e consumo de bebidas alcoólicas (cerveja e chope) dentro das arenas esportivas e estádios no Estado do Paraná.

O projeto de lei 50/2017 conta com o parecer favorável Comissão de Constituição e Justiça, de relatoria do Deputado Cobra Repórter (fls. 13-20), da Comissão de Esportes, de relatoria do Deputado Cobra Repórter (fls. 28-31) e Comissão de Indústria, Comércio, Emprego e Renda,de relatoria do Deputado Paulo Litro (fls. 23-26).

                               É o relatório.

Primeiramente, urge esclarecer que tal matéria já está afeta ao Supremo Tribunal Federal (STF) através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 5250 de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em razão da edição de igual teor pelo estado do Espírito Santo, pelo que seria um desperdício de energia implementar uma lei que possui grandes chances de ser declarada inconstitucional pela Suprema Corte.

Um segundo ponto a ser observado, é que existe projeto de lei em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, de autoria do Deputado Missionário Ricardo Arruda, que trata do mesmo assunto, só que com objetivo inverso, já que pretende a proibição do comércio de bebidas alcoólicas dentro e nos arredores dos estádios. Assim sendo, em razão da correlação dos temas, faz-se imprescindível a análise simultânea dos projetos de lei.

Com relação aos dispositivos do projeto de lei dois artigos merecem ser analisados.

De acordo com o artigo 6º do projeto de lei 50 “... é proibida a entrada de pessoas portando qualquer tipo de bebida alcoólica nas arenas desportivas e nos estádios.” Este artigo demonstra-se ser nefasto para o sistema de proteção ao consumidor, isto porque ao proibir o ingresso somente de bebidas alcoólicas, até mesmo as que se permite vender dentro dos estádios (chope e cerveja), e não proibir todo e qualquer bebida, demonstra que o projeto de lei possui apenas conotação comercial privilegiando determinadas empresas instaladas no interior do estádio ou arena em preterição ao comércio de rua, gerando isso uma concorrência desleal, ao passo que acarreta o monopólio e sobre preço do produto vendido dentro do estádio.

Outro dispositivo do projeto de lei 50 que merece ser analisado é o artigo 9º que trata da punição do torcedor que causar tumulto, uma vez que esse artigo se refere a velha política brasileira de esperar o problema acontecer para depois tomar uma medida ao invés de prevenir e evitá-lo o cortando o mal pela raiz pela fórmula já adotada de proibição de consumo de álcool dentro dos estádios e arenas esportivas.

Com relação ao parecer emitido pela Comissão de Constituição e Justiça, de relatoria do Deputado Cobra Repórter, quando diz ”... não é proibindo indistintamente qualquer venda ou consumo no interior dos recintos desportivos que o problema da violência será sanado” (fls. 05-07).

De fato, a violência nos eventos esportivos não acabará com a proibição de consumo de álcool dentro dos estádios, mas é incontestável que reduz e reduziu significativamente, sendo isto mais do que o suficiente para se manter a proibição da venda e consumo de de álcool dentro dos estádios, ao passo devemos imaginar que a vida e integridade física sejam os bens mais valiosos que o ser humano possui.

Então, se para proteger a vida ou minimizar os riscos da ocorrência vítimas tenhamos que proibir o consumo de álcool dentro dos estádios, acredita-se que este sacrifício vale a pena, já que uma única pessoa poupada dos infortúnios indiretos da bebida vale mais do que milhões de copos de cervejas vendidos e consumidos dentro dos estádios.

Ademais, cada incidente decorrente do ato manifesto de violência ou de acidentes decorrentes da embriaguez ocasionam transtornos não somente para os envolvidos, mas para toda uma coletividade de pessoas físicas e jurídicas que se veem igualmente vítimas desta moléstia que gerará prejuízos tanto para o Estado, quanto para o clube e a vítima/consumidor do evento.

Deve-se ainda ter em mente que nos eventos esportivos temos grandes conglomerados de pessoas dentro de um mesmo espaço e quando falamos especificamente do futebol temos em média 10 mil pessoas assistindo o evento, pelo que se apenas 01 % (um por cento) dos torcedores se embriagarem, estaremos falando de 100 (cem) pessoas embriagadas que poderão causar todo o tipo de confusão possível atrapalhando os demais torcedores / consumidores que foram prestigiar o evento, devendo esta maioria ser protegida pelo CDC.

No que tange ao parecer emitido pela Comissão de Indústria, Comércio, Emprego e Renda, de relatoria do Deputado Paulo Litro (fls. 23-26), quando diz no parágrafo segundo de fls. 25 que a venda e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios acarretará o imediato aumento de vagas diretas de emprego, tal informação não está embasada em laudos técnicos juntados ao parecer, o que se faz imprescindível neste caso, uma vez que a venda de bebidas alcoólicas possivelmente ocorrerá pelos mesmos estabelecimentos que já fornecem alimentos nos estádios, pelo que aparentemente não acarretará num aumento significativo de emprego, muito menos de empresas dentro dos estádios.

Ademais, havendo a liberação de venda de bebida alcoólica dentro dos estádios, possivelmente haverá a redução da venda de outras bebidas, ocasionando a compensação de um produto pelo outro, não gerando aumento de receitas em favor do Estado.

Quanto ao parecer da Comissão de Esportes, de relatoria do Deputado Cobra Repórter, o parágrafo segundo de fls. 31 do parecer quando afirmar que a “comercialização e consumo de bebidas em estádios e arenas desportivas pode atrair mais público para as praças desportivas, como ocorreu recentemente com eventos esportivos de grande porte realizados no estado” (fls. 28-31), esta afirmação não possui nenhuma prova de que o aumento de público esteja correlacionado a venda de bebidas alcoólicas dentro do estádio, estando o parecer subestimando a natureza dos eventos realizados, pois parece para quem o ler que somente houve público porque a bebida estava liberada, e não porque a Copa do Mundo e o UFC são eventos especiais que por si só conseguem encher os estádios.

Este projeto de lei se mostra um retrocesso e não representa os interesses da maioria da sociedade que objetiva que as arenas esportivas sejam um ambiente familiar quebrando-se o velho estigma de que o futebol é correlacionado ou sinônimo de cerveja.

A proibição de venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios foi um avanço social e deve ser mantido, pois é inegável a redução dos índices ocorrências médicas e policiais após a adoção desta medida. A emissão de uma lei que poderá acarretar no aumento de registros de ocorrências médicas e policiais viola o direito dos consumidores que frequentam as arenas esportivas, direitos esses consagrados pelo artigo 4º que determina ser objetivo do Estado o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, in verbis:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.


Há de se ressaltar que a atividade comercial principal realizada dentro de um estádio e arena é o próprio evento esportivo, e não o comércio e consumo de bebidas alcoólicas, pelo que se a comercialização deste último, atividade secundária, prejudica a realização da atividade principal que é o evento esportivo, o Código do Consumidor impõe a proibição deste comércio, com base no próprio artigo 4º, caput acima reproduzido que afirma ser objetivo do Estado o respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor.

Desta forma, a proteção e defesa do consumidor neste caso é em favor da atividade fim, o evento esportivo, sobrepondo-se as normas consumeiristas para a proteção dos direitos do consumidor dentro desta atividade principal que se sobrepõe as demais atividades que comprovadamente aumentam os riscos para consumidor, tais como o comércio e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios e arenas esportivas. 

Agora, o que deve ser indagado é o que se pretende para os eventos esportivos do Estado do Paraná, que se tenha um ambiente familiar com redução da exposição de riscos ou que se tenha um ambiente propício apenas para membros de torcidas organizadas?

Diante do exposto, opina-se pela rejeição do projeto de lei de nº 50/2017 pelos motivos acima expostos.

Pierre Lourenço. Advogado.
Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR. 




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