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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 6º DO ATO NORMATIVO Nº 08 DO TJERJ.

O Ato Normativo nº 08 do TJERJ de 26/05/2009 versa sobre o novo tipo de Guia de Recolhimento de Receita Judiciária Eletrônica - GRERJ Eletrônica - para pagamento dos valores devidos na esfera judicial. Segundo o Art. 6º da referida norma, o número da GRERJ deverá ser indicada na margem superior direita da petição obrigatoriamente, in verbis:

Art. 6º. O número da GRERJ Eletrônica Judicial deverá ser informado, obrigatoriamente, em negrito, à margem superior direita da petição, de forma clara e precisa, a possibilitar à serventia processante a exata identificação do número da GRERJ utilizada.

A não indicação do número da GRERJ Eletrônica no âmbito dos Juizados Especiais traz, por sua vez, uma pena por demais severa, qual seja: o não conhecimento do recurso inominado em razão da fictícia deserção. Esclareço que a deserção nesta hipótese é fictícia, pois o recorrente teria recolhido as custas integralmente e tempestivamente, no entanto, deixou-se de indicar o número da GRERJ na petição do recurso. 

Ocorre que, atualmente existe uma grande intransigência dos magistrados que atuam nos Juizados Especiais do TJERJ que aplicam esta penalidade desmoderadamente com o intuito de impedir o prolongamento do processo a revelia da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição.

Reza a Carta Magna que a administração pública está adstrita a uma eterna obediência e servidão ao principio da legalidade, enquanto estivermos diante de um Estado de Direito, já que todos os seus atos devem estar autorizados pela lei, sob pena de se tornarem nulos.

De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello:

Enquanto o principio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é especifico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria. Por isso mesmo é principio basilar do regime jurídico administrativo, já que o direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei (...) O principio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação da cidadania (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 25ª edição. Editora Malheiros. 2008, pág. 99-100).

Esta sujeição do Estado para com o ordenamento jurídico decorre do Art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece o principio da legalidade dentro de toda a administração pública. Em razão dessa serviência da administração pública para com a norma, não poderia o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vir a criar um novo requisito de petição não previsto no Código de Processo Civil, visto que a competência para legislar sobre o direito processual é da União, e não dos estados membros, muito menos do Tribunal de Justiça.

O Art. 6º do Ato Normativo nº 8 do TJERJ, de 26/05/2009, não é apenas ilegal por afrontar o Código De Processo Civil, mas também é inconstitucional por violar o Art. 22, I, da CRFB que diz que “compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”.

Os requisitos da petição estão previstos de forma genérica no Art. 282 do CPC, não havendo na legislação qualquer hipótese de anotação do número de GRERJ como requisito de admissibilidade da petição, muito menos é previsto como causa de rejeição de recurso a não anotação do número. Desta forma, isso que os magistrados de juizados estão fazendo, de não receber o recurso, é despropositado, não havendo a menor razoabilidade no ato de rejeição do recurso por esse motivo esdrúxulo e não concessão de prazo para o esclarecimento da parte no sentido de informar o recolhimento das custas. 

Ainda, o recolhimento das custas no TJERJ é informatizado, ficando o recolhimento vinculado ao processo, pelo que fica visível para o servidor do cartório o pagamento das custas quando acessa o processo no sistema, pelo que caberia ao servidor certificar a tempestividade do recurso e recolhimento das custas, e não se omitir sobre um fato do qual ele tem a obrigação de saber e informar no processo. 

Como não há uma lei federal que exija a anotação do número de GRERJ na petição, não poderia um ato administrativo qualquer vir a exigir tal requisito, pois ofende o principio da legalidade que está previsto no Art. 37, caput, da CRFB. Não obstante a ofensa ao principio da legalidade, também há violação ao principio da proporcionalidade, visto que o ato administrativo que inadmite o recebimento do recurso por ausência de anotação do número da GRERJ é totalmente desproporcional.

Para encerrar, mais uma vez nos reportamos as lições do mestre Celso Antonio Bandeira de Mello:

Procede, ainda, do principio da legalidade o principio da proporcionalidade do ato à situação que demandou a sua expedição (...) a providência administrativa mais extensa ou mais intensa do queo requerido para atingir o interesse público insculpido na regra aplicanda é inválida, por consistir em um transbordamento da finalidade legal. Daí que o judiciário deverá anular os atos administrativos incursos neste vício ou, quando possível, fulminar apenas aquilo que seja caracterizável como excesso (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 25ª edição. Editora Malheiros. 2008, pág. 79).

Pierre Lourenço. Advogado.
Artigo redigido no ano de 2010.




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