O ato do magistrado que indefere de plano a petição inicial
sem oportunizar a parte autora a chance de emendá-la contraria o disposto na
legislação processual vigente, mais especificamente o art. 317 do Código de Processo
Civil (antigo art. 284) que determina a concessão de prazo para o autor emendar
a petição quando o magistrado entende que a petição é inepta, in verbis:
Art. 317. Antes
de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte
oportunidade para, se possível, corrigir o vício.
Segundo o processualista
Fredie Didier, deve ser resguardada nas relações processuais a observância do
principio do contraditório que é decomposto nas garantias da participação e
possibilidade de influência da decisão judicial, senão vejamos:
O
processo é um instrumento de composição de conflito – pacificação social – que
se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao
processo. Trata-se de principio que pode ser decomposto em duas garantias:
participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência na
decisão. A faceta básica, que eu reputo a formal, é a da participação; a
garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder
falar no processo. Há um elemento substancial dessa garantia (...) denominado,
de acordo com a doutrina alemã, de poder de influência (DIDIER, Fredie. Curso
de Direito Processual Civil. Vol I. 9ª ed. 2008, pág. 45).
Além disso, o fato
de não oportunizar prazo para a parte autora emendar a inicial ofende o
princípio da cooperação e, em especial, o dever de prevenção do magistrado de
informar as partes as deficiências do processo quando há chances de saná-las,
sendo desleal o ato do magistrado que extingue o processo sem tentar oportunizar
a correção do processo.
Sobre
o princípio da cooperação, afirma o processualista Fredie Didier o seguinte:
O
magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e os demais
sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando
estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias, quando for o
caso. Encara-se
o processo como o produto de atividade cooperativa: cada qual com suas funções,
mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final (decisão do
magistrado sobre o objeto litigioso) - (DIDIER, Fredie. Curso de Direito
Processual Civil. Vol I. 9ª ed. 2008, pág. 59 e 61).
De acordo com a
doutrina mais balizada, o princípio da cooperação se decompõe em três aspectos
direcionados ao magistrado, sendo eles o dever de esclarecimento, de consultar
e de prevenir, garantindo assim o desenvolvimento mais adequado do processo
para o cumprimento de seu fim ideal, qual seja: dizer o direito e a pacificação
social.
O
principio da cooperação gera os seguintes deveres para o magistrado (seus três
aspectos): a) dever de esclarecimento; b) dever de consultar; c) dever de
prevenir. No
direito brasileiro, esse dever de prevenção está consagrado no art. 284 do CPC,
que garante ao demandante o direito de emendar a petição inicial,
se o magistrado considerar que lhe falta algum requisito; não é permitido o
indeferimento da petição inicial sem que dê a oportunidade de correção do
defeito (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. 9ª ed. 2008,
pág. 59 e 61).
Sobre o principio
da cooperação e dever de prevenção, tem-se o seguinte julgado de relatoria do
Des. Alexandre Câmara, do TJERJ, senão vejamos:
2009.001.15766
- APELACAO - 1ª Ementa DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 06/04/2009 - SEGUNDA
CAMARA CIVEL. Direito Processual Civil. Demanda de prestação de contas movida
pela apelante em face dos apelados. Sentença prolatada após a apresentação de
contestação pelos réus, extinguindo o feito, sem resolução do mérito, por
inépcia da inicial, ao argumento de que não foi especificado o período em
relação ao qual se requer a prestação de contas. Error in procedendo. Deveria
ter sido oportunizada à autora a emenda, sendo de todo irregular a extinção do
feito, pela inépcia da inicial, pelo que merece ser cassada a sentença
recorrida. PROVIMENTO do recurso, com base no § 1º-A do artigo 557 do Código de
Processo Civil, para anular a sentença, determinando a intimação da demandante
para que, no prazo de 10 dias, emende a petição inicial, na forma do art. 284
do CPC, especificamente para indicar o período em relação ao qual pretende a
prestação de contas, sob pena de deferimento. Com a emenda, deverão ser
intimados os réus, para, no prazo de cinco dias, complementarem suas respostas,
após o que deverá o processo seguir seu trâmite normal. Além do mais,
entende-se que este tipo de ação cautelar que objetiva a retratação não possui
cunho satisfativo, razão pela qual é o meio idôneo para se perquirir o direito,
preenchendo assim a condição da ação interesse-adequação.
Com a edição do
novo CPC, o princípio da cooperação foi incluído no texto legal passando a ter
forço de lei, in verbis:
Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que
se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Muito embora a legislação seja bastante clara a respeito do tema, os que militam na advocacia sabem que na prática muitos juízes assim não o fazem, alguns por desídia, já outros porque pretendem alavancar suas estatísticas proferindo sentenças escusas em desrespeito a lei, tendo também os casos de juízes que determinam a emenda a inicial, mas não especificam o que pretendem. Mas uma coisa é certa, no dia em que todos colaborarem na boa condução do processo, os mesmos terão soluções mais rápidas e satisfatórias para todos envolvidos na relação processual.
Conclui-se este pequeno texto afirmando que eventual sentença extintiva poderá ser reformada se o magistrado não
oportunizar a parte a possibilidade de emendar a inicial, conforme determina os artigos 317 e 6º do CPC.
Pierre Lourenço. Advogado.
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