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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O INDEFERIMENTO DE PLANO DA PETIÇÃO INICIAL EM CONFRONTO COM OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E COOPERAÇÃO.

O ato do magistrado que indefere de plano a petição inicial sem oportunizar a parte autora a chance de emendá-la contraria o disposto na legislação processual vigente, mais especificamente o art. 317 do Código de Processo Civil (antigo art. 284) que determina a concessão de prazo para o autor emendar a petição quando o magistrado entende que a petição é inepta, in verbis:

Art. 317.  Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.

Segundo o processualista Fredie Didier, deve ser resguardada nas relações processuais a observância do principio do contraditório que é decomposto nas garantias da participação e possibilidade de influência da decisão judicial, senão vejamos:

O processo é um instrumento de composição de conflito – pacificação social – que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de principio que pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência na decisão. A faceta básica, que eu reputo a formal, é a da participação; a garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo. Há um elemento substancial dessa garantia (...) denominado, de acordo com a doutrina alemã, de poder de influência (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. 9ª ed. 2008, pág. 45).

Além disso, o fato de não oportunizar prazo para a parte autora emendar a inicial ofende o princípio da cooperação e, em especial, o dever de prevenção do magistrado de informar as partes as deficiências do processo quando há chances de saná-las, sendo desleal o ato do magistrado que extingue o processo sem tentar oportunizar a correção do processo.

Sobre o princípio da cooperação, afirma o processualista Fredie Didier o seguinte:

O magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias, quando for o caso. Encara-se o processo como o produto de atividade cooperativa: cada qual com suas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato final (decisão do magistrado sobre o objeto litigioso) - (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. 9ª ed. 2008, pág. 59 e 61).

De acordo com a doutrina mais balizada, o princípio da cooperação se decompõe em três aspectos direcionados ao magistrado, sendo eles o dever de esclarecimento, de consultar e de prevenir, garantindo assim o desenvolvimento mais adequado do processo para o cumprimento de seu fim ideal, qual seja: dizer o direito e a pacificação social.

O principio da cooperação gera os seguintes deveres para o magistrado (seus três aspectos): a) dever de esclarecimento; b) dever de consultar; c) dever de prevenir.  No direito brasileiro, esse dever de prevenção está consagrado no art. 284 do CPC, que garante ao demandante o direito de emendar a petição inicial, se o magistrado considerar que lhe falta algum requisito; não é permitido o indeferimento da petição inicial sem que dê a oportunidade de correção do defeito (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. 9ª ed. 2008, pág. 59 e 61).

Sobre o principio da cooperação e dever de prevenção, tem-se o seguinte julgado de relatoria do Des. Alexandre Câmara, do TJERJ, senão vejamos:

2009.001.15766 - APELACAO - 1ª Ementa DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 06/04/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL. Direito Processual Civil. Demanda de prestação de contas movida pela apelante em face dos apelados. Sentença prolatada após a apresentação de contestação pelos réus, extinguindo o feito, sem resolução do mérito, por inépcia da inicial, ao argumento de que não foi especificado o período em relação ao qual se requer a prestação de contas. Error in procedendo. Deveria ter sido oportunizada à autora a emenda, sendo de todo irregular a extinção do feito, pela inépcia da inicial, pelo que merece ser cassada a sentença recorrida. PROVIMENTO do recurso, com base no § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, para anular a sentença, determinando a intimação da demandante para que, no prazo de 10 dias, emende a petição inicial, na forma do art. 284 do CPC, especificamente para indicar o período em relação ao qual pretende a prestação de contas, sob pena de deferimento. Com a emenda, deverão ser intimados os réus, para, no prazo de cinco dias, complementarem suas respostas, após o que deverá o processo seguir seu trâmite normal. Além do mais, entende-se que este tipo de ação cautelar que objetiva a retratação não possui cunho satisfativo, razão pela qual é o meio idôneo para se perquirir o direito, preenchendo assim a condição da ação interesse-adequação.

Com a edição do novo CPC, o princípio da cooperação foi incluído no texto legal passando a ter forço de lei, in verbis:

Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Muito embora a legislação seja bastante clara a respeito do tema, os que militam na advocacia sabem que na prática muitos juízes assim não o fazem, alguns por desídia, já outros porque pretendem alavancar suas estatísticas proferindo sentenças escusas em desrespeito a lei, tendo também os casos de juízes que determinam a emenda a inicial, mas não especificam o que pretendem. Mas uma coisa é certa, no dia em que todos colaborarem na boa condução do processo, os mesmos terão soluções mais rápidas e satisfatórias para todos envolvidos na relação processual.  

Conclui-se este pequeno texto afirmando que eventual sentença extintiva poderá ser reformada se o magistrado não oportunizar a parte a possibilidade de emendar a inicial, conforme determina os artigos 317 e  6º do CPC.


Pierre Lourenço. Advogado. 




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